Ao dar os retoques finais neste umbigo que você tem em mãos, Maria Fernanda Aragão chegou a uma conclusão interessante: ficaram 59 poemas - me disse por whatsapp - , engraçado não ser 60, né?
A frase revela muito sobre a poesia da autora, composta de insights prosaicos como koans zen-budistas, que buscam induzir ao despertar espiritual driblando a razão com dizeres enigmáticos e aparentemente sem sentido, mas repleta de um prazer lúdico e sensual, como alguém que manipula palavras com a simples intenção de extrair delas o melhor e mais prolongado gozo.
A primeira vez que me deparei com um poema da Maria Fernanda me lembrei imediatamente de quando conheci a poesia de e. e. cummings. Eu era um adolescente ainda e me fascinou a maneira inovadora com que aquele poeta americano do longínquo século XX escrevia seus poemas abolindo maiúsculas e usando pontuação mais como elementos estéticos do que como enfadonhos sinais ortográficos.
Maria Fernanda usa pontos, espaços, faltas de espaço, maiúsculas e minúsculas para subverter palavras, dissecá-las, destrinchá-las, deformá-las e recriá-las, descobrindo e revelando novos e variados significados num processo digno de uma cirurgiã. A analogia não vem de livre associação: um dos primeiros poemas de sua autoria a me chamar a atenção foi Escoliose. Ao comparar a curva patológica da coluna a uma dança, a poeta revela que sua alquimia tem comprovação poética, além de ortopédica.
Uma vez, entrevistando Ferreira Gullar para um programa de televisão, ouvi do grande poeta maranhense que, na juventude, quando descobriu a poesia, ele acreditava tratar-se de uma atividade mórbida pois, nos livros que lia, todos os poemas eram de autores já falecidos. A lembrança me faz parar de citar poetas homens e mortos porque você não tem mais nenhum minuto a perder: a poesia de uma mulher muito viva pulsa dentro deste umbigo.
Tony Bellotto