Até que ponto uma decisão tomada há décadas reverbera em nossa existência? Ricardo paga suas dívidas emocionais do passado em um prostíbulo de Copacabana, pois era "nessas horas que se fortalecia, como se, ausentando-se de si mesmo, encontrasse mais força para fazer-se Ricardo". Após um acidente de moto em que é obrigado a convalescer no hospital, recebe a inesperada visita de Rafaela, filha de sua irmã Rosana, uma garota "com mania de sonhos e afetos". Estaria o destino lhe reservando a chance de reescrever sua história? Ao se aproximar do tio, Rafaela nunca imaginaria que encenaria a via-crúcis do corpo corrompido, do autoabandono engendrado - pois para Ricardo o desejo nada mais é do que o reflexo de seguidos golpes do passado, numa alma que deixou de reconhecer no amor o idioma primordial de todas as relações humanas. Advogado exitoso, Ricardo trabalha para Otto, empresário com alta influência na esfera política que exalta em nosso protagonista duas especialidades: o cinismo e a ausência de moralidade. Em Azul e Sombra sabemos que no meio da escuridão, na mesma escuridão em que todos os desejos são absolvidos e se harmoniza cada frêmito de prazer, há alguém que chora de dor.
Marília Passos estreia na literatura com uma obra densa, crua, em que o passado sangra no presente, a luz insiste em habitar na sombra e o dia e a noite brindam e se confundem, entre doses de uísque nada baratos.
Tim-tim Marília, a sua Corte agradece.
Márcio Menezes